segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Deixar "Ser" ou "Sangrar"? Eis a questão...

Meu primo Otávio, com menos de 10 anos de idade, tem uma habilidade tremenda com o violão nas mãos. Já sabe o quer ser quando crescer: "Músico", responde sem hesitar. Para contribuir com a história do garoto, no último natal lhe comprei um CD de presente. Queria um disco que tivesse história. Que fosse rico musicalmente e que representasse o sentimento de uma geração. Nada melhor que os anos 60. A escolha foi um dos maiores discos da história do rock n' roll: "Let it Bleed". Sim. "Bleed", não "Be".

A diferença não é apenas o significado ou as letras. Para os desavisados, "Let it Be" é a famosa e melosa canção dos Beatles. "Let it Bleed" é a clássica faixa título do milenar álbum dos Stones de 1969.

Guerra do Vietnã. Época dura, violenta. Naquele tempo uma moça de família tinha permissão e total apoio dos pais para se casar com um Beatle. Mas jamais ousar a disparar olhares para os arruaceiros dos Stones. Existe uma diferença clássica entre ser um "Beatle" ou um "Stone". Mas não é meu propósito instigar esta escolha no Otávio. Ele estará bem servido independente da escolha. Quero lhe dar acesso à música além das FMs e programas televisivos. O disco é de uma geração que mudou nosso mundo. Tem conteúdo histórico e cultural. Não quero deixá-lo a mercê da banalidade que recebemos sem pedir. Precisamos, de alguma maneira, blindar nossas crianças de tantos Telós, Cherêchêchês, Funks Proibidões, BBBs e outros que entram em nossas casas sem pedir licença. Interferem diretamente na formação das nossas crianças. Roubam-lhe o direito de imaginar, colorir e criar seu universo pessoal.

O mais intrigante de toda essa história é o que me ocorreu na última quinta. Estava de partida da casa de uma amigo quando começou uma tremenda chuva. Fui esperar na sua sala. Isolados num canto, vários discos de vinil. Entre Caetano Veloso, Eric Clapton, Jeff Beck e outras velharias, lá estava ele: "Let it Bleed". "Vocé gosta? Pode ficar...", disse Rui. Ganhei de presente. Em vinil! O disco ia para o Sebo do bairro. Mais que um presente material, fica uma sutil e gostosa sensação: "plante rock n' roll, colha rock n' roll".

Otávio terá um grande material para se inspirar. O tom apocalíptico de "Gimmme Shelter", o forte blues de "Mid Night Rambler", as baladas irresistíveis "Love in Vain" e "You Can Always Get What You Want", além da faixa título "Let it Bleed". Espero que as guitarras de Keith sejam apenas a ponta do iceberg na influência musical de sua vida e carreira. Precisamos de almas pensantes e atuantes. Que tenham sentimento e senso crítico para ver além dos outdoors. Um CD pode ser pouco para tal. Mas considero um grande ponto de partida.

Com certeza é mais fácil receber tudo que nos falam na TV, nas rádios e no facebook. Simplesmente "deixar ser" e tocar a vida. Sem filtro e de forma passiva. Por mais que seja difícil escapar dos bombardeios midiáticos atuais, vale tentar ir além. Ultrapassar a fronteira e conhecer o novo, ou velho, pela própria curiosidade e imaginação. Sim. Pode não ser fácil. Então é só "deixar sangrar" e seguir em frente. No fim, garanto que valerá a pena.

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