sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

SAC vs UFC


        Sistema SAC: Stones, Amigos e Cerveja. Combinação perfeita. Eu realmente precisava disso. A mistura parece simples, só que não. Cerveja é fácil, mas ter grandes amigos por perto e um som ao vivo de qualidade, às vezes nem tanto.
O hilário foi ter um elemento adicional aos ingredientes: UFC. Após executar “Miss You”, o vocalista da banda cover anunciou: “galera, daqui a pouco a gente para pra ver o Anderson Silva”. Como se fosse Galvão promovendo uma final de Copa: “é o Brasil em campo, amigo!”. Nessa hora me dei conta que todo o pub estava focado nas lutas preliminares da tal luta principal. Todos no aquecimento para o grande momento. Tocamos o foda-se e continuamos nossa festa particular. “Honky Tonk Women”, “Brown Sugar”, “Start me up” e cia. Então chega de alegria. É hora da luta, a atração da noite. O país do futebol parou a festa, o rock n´ roll ao vivo dentro de um pub, pra ver o sangue jorrar no ringue, que é chamado de octógono. Inclusive vai aqui uma proposta pra turma do Boxy: aposentar a palavra “ringue” e a partir de agora usar “quadrado”.
Ok. Sem música, vamos beber mais uma cerveja no balcão e decidir o que fazer. Deu tempo de tirar a cartela, fazer o pedido, receber a caneca, tomar o primeiro gole e - pimba: canela quebrada. Sou daqueles sujeitos que pregam respeito com a natureza, o mar. Acho que o jogador de futebol tem que respeitar muito o campo de jogo, assim como um artista deve fazer com o palco. O Anderson já havia desrespeitado muito o lutador americano. E como diria Murcy Ramalho, “a bola pune”. Neste caso “o ringue (ou octógono) pune” também. Melhoras pra ele.
       Mas será que nessa conta entrou a interrupção inconveniente do SAC? Isso não se faz. Com isso não se brinca. Sim. Eu sei. É apenas rock n´ roll, amigos e cerveja. Mas eu gosto!

       



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O Caos Celestial

     “Deus te abençoe e vá em paz, meu filho”, disse ao cristão da vez, pegando em suas mãos. Era missa das 9h de um quente e ensolarado domingo. O padre estava no altar recebendo seus cristãos, dando a benção do dia. Débora estava na na fila e foi se aproximando. Havia 5 ou 6 pessoas na sua frente. Nesse momento o padre já sentiu que havia algo diferente, uma energia com a qual não estava habituado a lidar. “Deus te abençoe e vá em paz, meu filho”, disse ao próximo da fila. Mas desta vez não o olhou nos olhos como de costume. Seu olhar foi para o horizonte da quente paróquia. Era o impulso daquela energia que pairava na atmosfera. Não conseguiu identificar nada anormal e seguiu: “Deus te abençoe e vá em paz, meu filho”, já mais displicente. A energia foi aumentando cada vez mais. Débora era a próxima. Ela caminhou ao encontro do padre com um pequeno sorriso, daqueles de canto de boca. Estava com as mãos juntas, com o pescoço levemente inclinado pra direita, fazendo com que seu olhar estivesse um pouco pra cima. Suas sobrancelhas finas ficaram um pouco para cima e seus cabelos loiros se misturavam com sua mini blusa vermelha, um sutiã branco de rendinha por baixo e os traços de seus seios.
     Naquele momento ele sentiu a tal energia que o perturbava. Parou o movimento constante das bênçãos de forma repentina, como se máquinas de produção em série da revolução industrial tivessem enguiçado no meio do expediente. Mas seu olhar não foi para os olhos dela, e sim para a ponta de seus cabelos loiros jogados na blusinha vermelha, no sutiã branco de rendinhas e nos traços dos seios. Sem perceber os detalhes, ele viu o conjunto da obra. Era como se estivesse contemplando A Noite Estrelada de Van Gogh na sua mais completa grandeza. Tudo ficou em câmera lenta, o tempo parou. Ele viveu cada milésimo daquele momento. Ela estava apenas a três passos dele. E caminhou de forma natural na sua direção para ter a benção como os outros cristãos. Mas pra ele tudo era diferente. Não era uma cristã qualquer. Tinha uma força, um impulso natural e igualmente misterioso. Cada um de seus três passos foram marcados. A Noite Estrelada brilhava, se agitava. O vermelho da blusinha se misturava com as rendinhas brancas, com o cabelo loiro e a pele clara. Os seios balançavam de forma suave e discreta, ampliando o movimento, em plena harmonia com os passos. De repente ela parou na sua frente e seus seios se puseram quietos. Ela passou a língua em seus lábios pequenos para umedecê-los e disse espontaneamente, baixando levemente o queixo no meio da frase: “sua benção, padre.”. No mesmo momento ele, que estava no degrau do altar, completamente mergulhado na contemplação daquela “noite”, levantou os olhos diretamente para os olhos dela, que pareciam estar ali já esperando tal movimento. Não houve nenhum chacoalho de cabeça ou algo como cachorro molhado depois do banho, nada que o mostrasse bestalhão. Foi um olhar preciso e objetivo. Firme. Mas não veio acompanhado de sua mão, que normalmente pede a mão do cristão para a tradicional benção. Débora não tinha nada de mulher fatal. Era simples, natural. Tinha uma espécie de doçura apimentada. 
     Apesar de ter saído daquele estado de transe ele ainda estava envolvido pela energia dela. Mas agora de forma mais consciente. Era como se estivesse, de uma certa maneira, percebendo seu inconsistente e tentando controla-lo. Seu coração batia cada vez mais forte. Talvez fosse o momento mais desconfortável de sua vida e, ao mesmo tempo, o melhor de toda ela. Pois estava em um terreno que nunca pisara. Ele então, ainda olhando para os olhos dela, titubeou e estendeu suas mãos, pedindo as mãos dela para abençoá-la. Ela ainda com um sutil sorriso de canto de boca, levantou levemente a sobrancelha esquerda. Nesse momento ele respirou fundo. Sentiu o vento do ventilador de parede da paróquia, ligado no modo rotativo, passar por ali. Parecia que acessava mais o seu inconsciente, descobrindo coisas novas sobre si. Sensações que o assustavam, mas de alguma forma eram boas. Ele respirou fundo novamente, o ventilador fez o caminho de volta, sentiu o vento refrescando o seu rosto, e então abaixou o olhar lentamente na direção das mãos dela. Neste percurso contemplou novamente aquelas cabelos loiros em cima da blusinha vermelha, que tinha por baixo um sutiã de rendinha branco. Mas agora não era mais o conjunto. No alto do degrau a visão da Noite Estrelada era diferente. Agora ele tinha o detalhe. Olhou profundamente o encontro dos seios dela. Viu os traços, o caminho de dois rios que se juntavam, e sumiam numa escuridão tentadora. Era o verdadeiro caos celestial. 
     Enquanto aproveitava cada milésimo daquele momento conscientemente, se encontrava mais com seu inconsciente. Vibrações, movimentos, desejos e coloridos que pareciam ser de outra esfera. Pela primeira vez em toda a sua vida sentiu de verdade a força do instinto humano. Viu de perto suas sombras, suas cobras. Estava navegando em mares nunca antes desbravados. Apreciava cada detalhe, cada sensação. Cabelos loiros, blusinha vermelha, sutiã branco de rendinhas contornando os seios. Quando sentiu um toque em suas mãos. Eram as mãos dela. Ele as apertou imediatamente com firmeza. Direcionou novamente os olhos para os dela e finalmente disse sem pestanejar: “Deus te abençoe e vá em paz”. Sem o tradicional “minha filha” no fim da frase. Ela manteve o sorriso de canto e boca e saiu. Num golpe cruel do seu instinto ali aflorado, ele se curvou para olhá-la de costas, ver seu caminhar de calça jeans escura, talvez rebolando, ou apenas se mexendo de forma natural com seus passos. Antes de se virar por completo cerrou os olhos com força, respirou fundo. Sabia que este olhar seria a consagração de um grande pecado cometido na frente de seus cristãos. Por mais discreto que fosse não iria se perdoar por tal ato. Mas o impulso de seu instinto era muito forte. Ainda de olhos fechados, sua mandíbula enrijecida provocava mais uma gota de suor no canto da sua testa. Muito confuso com tudo que passara, escutou uma voz a sua frente dizer: “Padre, queria muito a sua benção.”. Era um menino, de mais ou menos 15 anos, paraplégico. Repentinamente o padre abriu os olhos, os arregalou e disse meio esbaforido: “Deus te abençoe, meu filho. Que Deus te dê muitas bênçãos”.