Por Clarice Lispector
Thoreau era um filósofo americano que,
entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de
jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo
mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau, por exemplo,
desolava-se vendo seus vizinhos se pouparem e economizarem para um futuro
longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas "melhore
o momento presente", exclamava. E acrescentava: "Estamos vivos agora."
E comentava com desgosto: "Eles ficam juntando tesouros que as traças e a
ferrugem irão roer e os ladrões roubar."
A mensagem é clara: não
sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome
alguma providência agora, pois é na
seqüência dos agoras é que você
existe.
Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo
menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há
momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não
ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é
profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos
agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a
necessidade de fazer agora o que é mais importante para cada um de nós.
Por exemplo: para os jovens que
queriam tornar-se escritores mas que contemporizavam - ou esperando uma
inspiração ou se dizendo que não tinham tempo por causa de estudos ou trabalhos
- ele mandava ir agora para o quarto e começar a escrever.
Impacientava-se também com os
que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. “É só quando
esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber."
E dizia esta coisa forte que
nos enche de coragem: "Por que não deixamos penetrar a torrente, abrimos
os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem?" Só em pensar em
seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrer-me o sangue.
Agora, meus amigos, está sendo neste próprio instante.
Thoreau achava que o medo era
a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras
opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: "A opinião pública é uma
tirana débil, se comparada opinião que temos de nós mesmos." É verdade:
mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo
estão alarmadas. E isso, na opinião de Thoreau, é grave, pois "o que um
homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino”.
E, por mais inesperado que
isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de
desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles
próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covardia desnecessária. Nesse
caso devia-se abrandar o julgamento de si próprio. "Creio", escreveu,
"que podemos confiar em nós mesmos muito mais do que confiamos. A natureza
adapta-se tão bem à nossa fraqueza quanto à nossa força". E repetia mil
vezes aos que complicavam inutilmente as coisas - e quem de nós não faz isso? -
, como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas:
simplifique! simplifique!
E um dia desses, abrindo um
jornal e lendo um artigo de um nome de homem que infelizmente esqueci, deparei
com citações de Bernanos que na verdade vêm complementar Thoreau, mesmo que
aquele jamais tenha lido este.
Em determinado ponto do artigo (só recortei esse
trecho) o autor fala que a marca de Bernanos estava na veemência com que nunca
cessou de denunciar a impostura do "mundo livre". Além disso,
procurava a salvação pelo risco - sem o qual a vida para ele não valia a
pena - “ e não pelo encolhimento senil, que não é só dos velhos, é de todos
os que defendem as suas posições, inclusive ideológicas, inclusive
religiosas" (o grifo é meu).
Para Bernanos, dizia o artigo, o maior pecado sobre
a terra era a avareza, sob todas as formas. "A avareza e o tédio danam o
mundo. Dois ramos, enfim, do egoísmo", acrescenta o autor do artigo.
Repito por pura alegria de
viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!
Feliz Ano Novo.
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