Quando o relógio apitava, as 17h30, ele abria o berreiro. Toda santa tarde o neném chorava muito. Meio sem explicação, pois mamara o dia todo, estava limpinho, com a fralda seca e com sorrisos diversos no rosto. Sua mamãe não compreendia o motivo. Era muito zelosa e conhecia cada dia mais a criança. Os médicos não conseguiam explicar o fenômeno: não era febre nem cólica, sono ou tão pouco fome. Os doutores se confundiam e contradiziam nas explicações. O Neném, por sua vez, seguia sua rotina. Dormia muito bem para uma criança de 3 meses. Praticamente toda a noite. Acordava cedo com o nascer do sol, mamava, brincava, cochilava, mamava de novo, tomava seu banho de sol diário, sorria, resmungava, emitia sons típicos com a boca, sujava fraldas, babava, mamava outra vez, etc etc e etc. Cumpria seu papel de cidadão neném. Mas quando o relógio marcava 17h30 era um Deus nos acuda. O bico pré choro se armava em sua face e o berro era intenso, a ser escutado por toda vizinhança. De tão forte e absoluto, o neném passou a ser conhecido em todo o bairro. Toda a Vila funcionava na expectativa de ouvir o seu berreiro. Era uma espécie de alarme das 5 e meia da tarde. Pautava o cotidiano das pessoas e também o funcionamento do comércio local. A fama do neném era tamanha que intrigava a vizinhança, mas também encantava a todos. Escutar o choro do neném era uma alívio, um sinal de que as coisas estavam bem. De que o dia ia acabar, que o pão da tarde seria entregue, que o vento continuaria soprando e que a vida seria levada adiante.
Mas a Mamãe, zelosa que era, continuava mais intrigada do que encantada. Numa tarde sua campainha tocou. Era uma misteriosa moradora do bairro, conhecida por todos como a Senhora Que Não Falava. Tinha olhos bem azuis e longos cabelos brancos. A pele clara, porém bem corada pelo sol. Vestia sempre uma bata branca, impecável, e não dizia uma só palavra. Era tida por todos como muda e surda. A Mamãe, de dentro de casa, com a cabeça para a fora da porta, meio sem saber o que fazer, se falava ou fazia gestos, acabou por dizer um "boa tarde" meio sem jeito. "Em que posso ajudar?", completou. A Senhora permaneceu em silêncio, olhando fixamente para a Mamãe. Ela, por sua vez, consultou o relógio e olhou para trás. Constatou que já eram quase 5 e meia, a hora do berreiro. Ela precisava estar pronta para acudir o neném. Quando voltou o olhar para a senhora deu de cara com um suave sorriso. Então, após uma leve respiração, a Senhora Que Não Falava, falou: "Crepúsculo". A Mamãe nada entendeu. Ficou chocada e pensou freneticamente: "Então ela fala! Mas não era muda? E que diabos ela quer dizer com crepúsculo ao pé da minha porta?". A Senhora, gentilmente, continuou: "É o crepúsculo. Ele sofre de crepúsculo vespertino". "Você está falando do meu neném?" "Sim. O seu neném sofre de crepúsculo vespertino”, repetiu. Tudo parecia estranho para a Mamãe. A conversa não tinha pé nem cabeça. O horário do berreiro se aproximava. A Senhora Que Não Falava estava ali, na porta da sua casa, não só sorrindo, mas falando! Como assim? Ela não falava e agora está falando? Além do mais estava falando coisas sem sentido. Até onde ela sabia, não existia nenhuma doença com o nome de crepúsculo. Mas apesar de toda a angústia do momento, ela sentia uma energia boa vinda da Senhora e no fundo, uma esperança por uma explicação. Nenhum médico havia diagnosticado o berro do neném para além das teorias convencionais. E ela sentia ali uma chance de desvendar mistério. Num rompante, convidou a Senhora Q'
ue Não Fala para entrar e continuar a falar.
ue Não Fala para entrar e continuar a falar.
Ela se sentou calmamente com seu leve sorriso no rosto, e com a voz suave de quem fala apenas aquilo que é necessário ser dito, explicou para a Mamãe, prazerosamente, o que se passava com o seu neném. Disse que os nenés vivem imersos em um estado presente tão profundo que nós, adultos, desconhecemos há tempos. Pois já fomos domesticados a remoer o passado e nos desesperar pelo futuro. Disse também que o neném em questão era especial. Ele sentia o crepúsculo vespertino! Imerso na sua atualidade, não se conforma com o sol se pondo. Ainda não entende que a terra dá voltas, que o sol nasce e se põe, que o dia dá lugar para a noite e a noite para o dia. Quando o sol vai embora, o Neném sente como se o mundo estivesse tomando o que lhe pertence. "Sua alma sente o crepúsculo", disse com ternura e admiração. "O seu neném é de uma linhagem diferente. Tem um espírito muito belo. Ele é um filho do sol!". A Mamãe sorriu aliviada. Por mais pitoresca que parece toda a situação, finalmente ela tinha uma resposta para as coisas. Ela então olhou seu relógio e viu os ponteiros indicarem 17h30. O sol se posicionou no horizonte para descer e, lá do quarto, o neném chorou mais uma vez. O berreiro agora é recebido com alegria. Estava entendido que era a expressão de quem vivia cada instante como se fosse o último, cada dia, cada milésimo de segundo de sua existência era preciso e rico em vida. Suas caretas, sorrisos, olhares, mamadas, enfim, jamais aconteceriam de novo. O neném nasceu para viver o presente e ele simplesmente o fazia com maestria. Agora a Mamãe entendia. Entendia e sentia alegria por entender, mas ao mesmo tempo se perguntava, ainda timidamente, o porque ela, na sua própria vida, se alimentava do passado e pensava apenas no futuro. Esquecia o agora, o presente. Rapidamente lhe ocorreu que as pessoas passam a vida inteira pensando no que aconteceu, preocupadas com o que vai acontecer e se esquecendo do que se passa no agora. Foi acudir o Neném refletindo, iniciando uma nova etapa de compreensão.
A Senhora Que Não Fala finalmente parou de falar, se despediu com um gracioso sorriso, e deixou a Mamãe com o berreiro do Neném. Mas dessa vez era diferente. Ela já sabia que, além de seu, ele também era um filho do Sol.
A Senhora Que Não Fala finalmente parou de falar, se despediu com um gracioso sorriso, e deixou a Mamãe com o berreiro do Neném. Mas dessa vez era diferente. Ela já sabia que, além de seu, ele também era um filho do Sol.