Pitanga. O sentimento tinha
um nome: Pitanga. Eram várias crianças na caçamba da D10 bege. Quando chegavam
ao Ribeirão da Mata desciam apressados da camionete com um só sentimento: Pitanga.
Havia laranja, manga, jabuticaba, gado, cachorros, pintinhos, pássaros, grilos
e afins. Mas a pitanga, com o seu charme, era soberana. Logo estavam todos
dependurados no pé como um grupo de pequenos macacos em busca da pitanga
perfeita. As docinhas, roxas e delicadas como vaso chinês, eram incrivelmente
suculentas. As mais durinhas, laranjas, também tinham seu valor - um azedinho
fenomenal. E ali, de galho em galho, se passava mais uma saborosa tarde. Um
momento eterno, gravado nas memórias e almas daqueles pequenos.
Mas a criança cresce, vira
gente grande e assume responsabilidades. A pitanga parece dar lugar às chatices
da vida adulta. Uma daquelas crianças, anos mais tarde, já adulto, dirigia pela
metrópole onde morava. Buzina, transito, GPS. E passando pelos buracos do
asfalto da sua cidade, se lembrou do chacoalhar da caçamba da velha D10 bege.
Resolveu então trocar seu carro por uma bicicleta.
Na magrela, uma cadeirinha.
Na cadeirinha, uma criança. Na criança, sorriso e música. Várias músicas! É o
caminho pra escola, pois na grande metrópole não existe o Ribeirão da Mata. E
entre um cantarolar e outro pela rua Apinajés, em meio aos seus prédios e
concretos, eis que surge um pé de pitanga. Sim, pitanga! O pai estaciona a
bicicleta a anuncia: “Olha, filho. Pitanga!”. Pai e filho degustam a fruta. Das
docinhas às azedinhas. O filho prefere as azedinhas. O pai ajuda a tirar o
caroço para que o pequeno não engasgue. Ele ainda não sabe comer pitanga
sozinho. Mas com o tempo vai aprender. O pai já não consegue subir no pé de
pitanga, pois seu peso irá quebrar os delicados galhos da árvore. Isso faz ele
perceber que pé de pitanga é uma árvore sagrada, sábia, feita exclusivamente
para crianças. Decide então que, com o temo, irá ensinar o filho a subir na
árvore. Mas primeiro ele precisa aprender a tirar o caroço da fruta para não
engasgar.
Ao sabor das pitangas, pai e filho se olham em silêncio. O pai mergulha
nos olhos do pequeno. O chacoalhar da D10 bege, Ribeirão da Mata, os sonhos de
criança. Tudo vem a tona. Então o pequeno diz: “Papai, quero mais pitanga”. Naquele
momento pai e filho entendem a importância das pitangas em sua vidas. A
caminhada segue com o docinho e o amargo misturados delicadamente. Fica pra
sempre um forte desejo por um mundo melhor. Um mundo com mais pitangas.